terça-feira, 5 de abril de 2011

3.1



A casa dos trinta é a casa que eu nunca quis morar: mal assombrada, escura e com infiltrações.

Tô sobrevivendo aos trinta desde o ano passado e não vi graça nenhuma nisso. Não acho engraçado descobrir o tempo passando no meu rosto, cabelos e etc. Vejo graça na vida que te prega peças e é necessário passar por issocom bom humor além de experiência, e se não a encararmos com doçura quem vai querer dividi-la conosco?!

Todo abril é assim, essa atmosfera neurótica, por vezes rebelde aqui dentro e peço desculpas antecipadas.

Sinto-me como uma guerrilheira que queria tanto matar alguns milicos, mas que perdeu a hora e pegou o embate no fim. Isso tem a ver com autocrítica e com a forma com que fui criada, eu, e toda a nossa geração, essa geração dos fins do 70, início dos 80, a famosa geração coca-cola que nasceu, cresceu e viveu à sombra dos que lutaram contra a ‘Ditadura’ e a favor das ‘Diretas Já!’ – um monte de conclusões expressas em noticiários e documentos históricos.

Ou seja, a gente cresceu, demorou, mas amadureceu, e nunca talvez tenhamos aprendido a dar valor pro sentido de liberdade ou o motivo pelo qual existe o tempo, o tempo de envelhecer, de fazer 20, 30, 40, 100 e o que fazer com ele porque nada muda, só o mundo que dá voltas. Cada vez mais me sinto aprisionada, numa liberdade forjada, porque pra mim, da adolescência pra cá, liberdade se constitui de fazer o que eu quiser na hora que eu quiser, como fugir para encontrar o namorado ou se hospedar clandestinamente num hotel 5 estrelas aos 15 ou ainda ir e vir com saldo no banco, de bar em bar ou na ponte aérea. E se tivermos grana e tempo pra fazer o quisermos, estamos muito satisfeitos né?!

Vivemos no oba-oba porque o pior já passou, já temos a tão sonhada “democracia”, porque votamos independente de raça, credo ou sexo e elegemos nossos governantes e é o suficiente. É o suficiente? Talvez, mas não somos livres porque o que conta ainda é a instituição família, a sociedade, e continuamos atrelados a ela com as suas instituições morais, o preconceito, e apesar de termos saído daquela ditadura, existem outras em seu lugar, como a da moda, da beleza, do consumo. Fazemos parte disso, somos meio alienados, meio politizados e pouco culturizados, amargando essa luta de fazer a vida todos os dias com dignidade, correndo atrás dessa felicidade sonhada. Futuro baby, futuro.

É isso que é ter trinta e poucos pra mim, mas é continuar sonhando também e eu sonho, sonho em ter uma família, apesar de que a cada dia ela pareça mais distante; sonho viver do que escrevo; sonho em dar uma vida melhor à minha mãe, mesmo que seja à distância porque viver com ela está cada vez mais difícil; sonho em amar e ser amada, e vou vivendo, caminhando, escutando e me apoiando no amor dos amigos verdadeiros, nas minhas neuroses diárias que só a Aina entende, e principalmente me sentindo 3.1, três mulheres numa só: uma que sou eu mesmo, a segunda que me enche de alegria com sarcasmos e sensualidade, e a terceira que é a verdade mais sórdida do que eu ainda não consegui ser, apesar de todo o exemplo de uma família tradicional que vai morrendo à míngua a cada dia.

Felicidade eu carrego dentro de mim por teimosia porque amo a vida apesar de tudo, e amo as pessoas que me cercam cada vez mais, mas isso não tem nada a ver com idade, tem a ver com ser Marilyn mesmo, e que se dane a casa dos trinta, porque a única coisa boa é que hoje eu me sinto mais racional, mais sabedora de como lidar com minhas lutas internas, mas isso eu poderia ter percebido antes, em qualquer idade se não estivesse tão distraída com as imposições da sociedade, com aquele blá blá blá de encontrar alguém, casar e procriar, talvez se não fosse por isso, hoje a casa dos trinta seria um lar claro, aberto e amplo para receber a todos.